quinta-feira, 16 de agosto de 2012

PEDRA PORTUGUESA

Calçada do século 16, Cidade Histórica
Ilha da Praia, Maio de 2012

PEDRA PORTUGUESA
Celso de Lanteuil
Praia 07 de Junho de 2012
  
Cada pedra portuguesa se encaixa num espaço
Há um ponto, um ângulo, um corte, uma forma desigual
Que ao ocupar seu lugar, vai formando um painel
 
O Homem, como os animais, os vegetais e minerais, ocupa também um lugar
E na sua diferença de ser, estar, fazer e poder
Ajuda a criar um outro tipo de mosaico
 
Se uma pedra sai da sua posição abre-se um vazio
Este poderá provocar um desequilibrio
Pedras podem se soltar, o piso ceder, um buraco surgir
 
O Homem conseguiu chegar até aqui muito por sorte
Continuou sua existência
Também por subjugar adversários naturais com a ajuda dos seus pares
 
Grupos sociais e sociedades se organizaram
É o que temos
De uns tempos para cá, um novo representante da espécie vem ganhando consistência
 
Ele pensa somente nele
Trabalha, goza, produz
Sonha para ele
 
Conquista e constroi para se satisfazer, e encontrar sua felicidade
Ele não se percebe como a pedra portuguesa
Que ao se acomodar entre outras formatações imperfeitas forma um todo

Elétrico circula entre calçadas com pedras portuguesas
Lisboa, Maio de 2012

INESPERADO BOM

Locais secam suas roupas a beira mar
Cidade Velha, Ilha da Praia, Cabo Verde, Maio de 2012

INESPERADO BOM
Celso de Lanteuil
11/12/2002

Brisa boa
Sol da manhã
Marola calma
Água fresca
Areia pra pisar descalço

A pele aquece devagarinho
Queima bem suave
Inesperada suavidade
Fica me lembrando sem se fazer perceber
Aquilo que eu já havia esquecido ter

Eu de paletó e gravata recordo
A impropriedade da roupa questiona
Onde estão os meus sonhos?
Para que tamanha sobriedade?
Por que tanta formalidade?

Faz-me falta a imaturidade juvenil
Aquele desejo de arriscar
E brincar
Quando foi mesmo que deixei escapar?
Quantas mudanças sem perceber!

Tenho vontade de tirar o paletó
Arrancar a gravata, ficar de cueca
Sem sapatos e meias
Jogar o relógio no mar
Lap top, agenda e celular

Ensaio o movimento de afrouxar o colarinho
É o melhor que consigo fazer
A buzina me chama de volta
É o tempo presente que não aguarda
Vou
Crianças jogam futebol na Cidade Velha
Ilha da Praia, Maio de 2012



NAVIOS NEGREIROS NÃO AFUNDAM


Restos de um navio
Ilha do Sal, Julho de 2012

NAVIOS NEGREIROS NÃO AFUNDAM
Celso de Lanteuil
Rio, 19 de maio de 2006
Acho que inventei a palavra “cambalhotam”

Pobre percepção         
Destas pessoas que só enxergam as próprias mãos
Que só visitam os seus lugares
E contam apenas seus casos

Pobres corações
Juízes implacáveis das multidões
Tolerantes das suas transgressões
Algozes por convicção, sempre em nome da paz

Silêncio cidadão!
Nos porões, negros escravos vomitam as tripas
Esfolados vivos
Suas almas gritam

Nos sinais da cidade
Crianças malabaristas
Cambalhotam por atenção
A cidade indiferente passa

Grita a vizinha que o cachorro dela morde
Que come gente viva
E que na desordem da vida
Ela é que lhe dá a comida

Correm apavorados senhoras e senhores
Donos de índios, japoneses, brancos e africanos
Escondem-se assustados
Nas suas casas fortalezas, bem protegidos de gente

Você que ganha salário sempre mínimo, guarda trocado e sonha barato
Que economiza o sapato e cata no chão uma solução
Você que sorri com os dentes nas mãos. Cuida-se!
Eles te querem de quatro amarrados num porão

População desfavorecida
Ilha do Sal Julho de 2012