sábado, 9 de janeiro de 2021

 

TELHA BOA

Celso de Lanteuil

Rio de Janeiro, 6 de Junho de 2002

De casa, rua Santa Clara, ao Instituto Copacabana e de volta para casa ...

 

Caminhando de casa para a escola

De volta para casa, ao lado do amigo de infância

Nunca fazíamos o mesmo caminho

Havia sempre uma outra calçada, uma outra gente

Um outro humor, uma vontade diferente

Uma imaginação que acordava a gente

 

O caminho para a escola era longo, era perto

O tempo que levávamos até a porta do colégio era exato

O caminho era reta, era inverso, era universo

Algumas vezes quando ia-se, vinha-se

Quando voltávamos, descobríamos uma casa escondida, escondendo pessoas

Um muro jamais ultrapassado, uma trilha para o morro, nunca experimentada

 

O mesmo caminho, como se fosse um outro… 

Até lá chegar, muitas voltas, algumas paradas

Retornávamos outras tantas vezes

Para fazer uma bola rolar, encostar numa parede, nos esconder por trás da árvore

E ver a bola entre os carros, desaparecer e surgir novamente

Intacta. Protegida pelos nossos anjos das ruas

 

Nunca mais será como antes

É o que eu sempre repito

Nunca mais será como o agora, aproveitem!

As crianças não tem pressa para chegar, nem pressa para voltar

Moram numa casa sempre ao lado, logo ali

Os adultos querem chegar à tempo e acham tudo muito distante

 

Naquelas idas e vindas, o tempo avançava, parava e recuava

Parava de andar para trás, avançava um pouco mais e parava novamente

Assim seguíamos com ele

Todos os dias, um minuto igual a um dia

Um dia igual a uma semana

Que era igual a um mês, que era igual a um ano…

 

Naqueles trajetos, vi o mundo se revelar

Nas pequenas travessuras de menino, a subir um muro

Nas chapinhas para catar ou chutar, naquela velha bola, novamente levada nos pés

Escapando e esbarrando na canela de alguém

Seguindo o seu vai e vem

Insistindo em rolar para longe


Uma chuva serve para muitas coisas

Rega a terra, plantas e árvores, nos lembra do cheiro da mata

Limpa o chão que pisamos, serve sobretudo para lavar a vida

Nos dias de chuva, voltando para casa

Eu tomava o meu banho sem reclamar

Debaixo da telha, de uma daquelas casas que não existem mais


No meio da calçada, eu lavava os cabelos, deixava o uniforme da escola molhar

A bermuda encharcada a pingar

Assim seguia para casa, sem pressa, bem devagar

Vendo os outros a correr, tentando a chuva evitar

Ao entrar em casa, eu deixava marcas de água pelo chão  

Agradecido por aquela telha, pelo melhor banho de então 


E corria para o chuveiro, evitando os gritos da minha mãe

Seguindo para um outro tipo de banho, sem a mesma graça 

O tempo remove muitas impressões, detalhes que nos fogem a lembrança

O coração a palpitar, um desafio distante, de alguém que nos está a testar e provocar

Mas o banho da telha, daquela casa que não existe mais, não me sai jamais da lembrança

Nem a água a escorrer, molhando meus cabelos, rosto e um corpo livre sem medos...