Algumas palavras que eu
precisava dizer
Resende, 12 de agosto de 2025
A falência de uma grande companhia, como
aconteceu no caso da Varig, não desapareceu apenas com uma das mais antigas
empresas de aviação do planeta. Além de afetar a vida econômica do Brasil em
muitos aspectos, ao desconstruir uma complexa atividade de negócios cujos
efeitos ainda hoje se observam no transporte aéreo do país, revelou seu lado
perverso com o não pagamento das indenizações trabalhistas e previdenciárias de
seus funcionários até a presente data, e já se passaram 19 anos! A falência dessa intangível marca
também destruiu uma densa rede de relacionamentos, onde as características
comportamentais de cada pessoa tinha um peso e importância na cultura social de
diversos ambientes de trabalho que constituíam o grupo Varig.
Assim aconteceu no caso dos aviadores,
categoria de profissionais que muito aprendem com seus próprios erros, que na
troca de experiências operacionais nos faz melhor preparados e próximos,
muitas vezes íntimos ao vivenciar situações não normais em voo, emergências mais complexas, num ambiente de trabalho favorável a criação de
laços afetivos que ultrapassam fronteiras e perduram mesmo com a distância que
o viver constrói.
E assim foi para o amigo Comandante Domingos Savio Barreto de Andrade Junior, o nosso Savinho, o amante de uma das mais lindas profissões que ambos tivemos a oportunidade de compartilhar. Conheci o Savio quando éramos copilotos em meados dos anos 80, encontro que aconteceu na cabine de um Boeing 737-200 da Cruzeiro do Sul, na época já incorporada pela Varig. Eu seguia como “tripulante extra” retornando de um voo para casa e assisti Savio executar com precisão a aproximação Charlie 2 para pouso na cabeceira 15, no antigo aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro. Naquele momento percebi seu entusiasmo pelos aviões que era contagiante e logo nos fizemos próximos. Savio era muito educado e pude constatar ser uma pessoa que gostava de se comunicar e fazer amigos. Com a criação do Aerus, Instituto de Seguridade Social, muito dos pilotos então ativos puderam se aposentar mais cedo com a ajuda dessa complementação salarial e como consequência, a carreira dos pilotos mais jovens ganhou um grande impulso, nosso caso.
Em inúmeras ocasiões Savinho e eu estivemos juntos, e em pouco tempo como comandantes em encontros corriqueiros nos DOs (Despachos Operacionais), em pernoites pelo Brasil e terras estrangeiras, durante a troca de aviões, no prédio da Varig localizado na área do aeroporto Santos Dumont, em salas de aula no CTO da Ilha do Governador (Centro de Treinamento Operacional), nas assembleias do sindicato (SNA) e da Associação de Pilotos (APVAR) quando trocávamos impressões e dividíamos nossas apreensões, como aconteceu em algumas greves da categoria, na parada da instrução de voo e no acidente do VMK, ocasião em que ele tentou ajudar os tripulantes daquele voo com trágico desfecho, realizando trocas de mensagens via rádio entre eles e o órgão de tráfego aéreo mais próximo ao qual mantinha contato e a outra tripulação não. Mas, foi na crise do FAD (Fundo de Auxilio Desemprego do SNA) que resultou na perda das nossas reservas de poupanças e prejuízo para a maioria dos seus associados, que nos aproximamos ainda mais ao fazer parte da comissão eleita pela categoria para ajudar na reestruturação daquele fundo.
Savinho viveu para servir a esposa Marisa
e suas duas filhas que tanto amou. Elas eram sua principal bússola. Também deu
o seu melhor para a aviação e cuidou dos seus cães como filhos. Segundo me contou, nas suas folgas
gostava de assistir um filme em ambiente bem refrigerado, congelante para
muitos de nós pois sentia muito calor. Era fã do cineasta George Lucas e das “sagas” Star Wars” e
“Star Trek”, e adorava o personagem “Senhor Spock”, nome que acabou por colocar
em um dos seus cães, “filhos”, como se referia ao Spock Savio Terceiro e demais. Em uma
viagem de trabalho que fiz com o amigo Cmte Jorge Calvet para Miami, ele nos
surpreendeu acompanhado de um copiloto de 767 que infelizmente não me recordo o
nome, ambos viajando como passageiros GC, passagem de “cortesia sujeito a
espaço”, para assistir ao lançamento de um dos filmes da série Guerra nas
Estrelas. Segundo Savio, tripulação escolhida por ele após consultar a escala,
surpresa que muito nos agradou. Acabei por acompanhá-los naquela viagem
cinematográfica repleta de efeitos especiais, personagens exóticos e temas
filosóficos como os embates entre o lado da luz e o das trevas, liberdade
versus repressão, e sobre a redenção, assuntos que ele tanto prezava. Falar do
Savinho é uma oportunidade para se celebrar a vida de alguém que nos ofereceu
muitos sorrisos, muitas agradáveis memórias, é lembrar de um amigo “ingênuo”
como muitos de nós poderíamos ter sido. Savinho viveu para ajudar, para
servir, amar e compartilhar boas memórias. O vídeo em sua homenagem que as
filhas lhe presentearam quando guardou suas asas no hangar da vida, lhe causou
grande orgulho e sentimento de reconhecimento. Savinho cumpriu muito bem sua
jornada entre nuvens e estrelas, nascer e por do sol, e o amor que transportava
lhe permitiu cruzar em melhores condições as tempestades da vida. Ficaram as
boas lembranças e sua pureza, imagens que guardo do querido
Savio.
Lindas, comoventes e merecidas palavras! Savinho foi uma Grande Alma. Felizes dos que puderam privar de sua companhia!
ResponderExcluirObrigado amigo Lodi, esse texto na realidade é de todos nós, amigos comuns. Savio agradece.
ExcluirBelíssimo libelo, encerrando com precisão os laços que ligam aviadores, seus medos, paixões e rotinas. Tudo isso nos identifica e nos faz iguais, ao ponto de parecermos irmãos.
ResponderExcluirObrigado Flavio, creio que suas palavras reforçaram o sentido dessas relações tão próximas e intensas que nasceram e permanecem entre nós, Savinho e muitos outros, um forte sentimento de irmandade fica sendo este nosso legado.
ExcluirMuito legal.
Excluir