Dia dos pais
Sarau Poesia Andarilha (Virtual)
9 de agosto de 2025
Foto de arquivo tirada de celular
Papai aos 87 anos busca o ângulo perfeito
Casa da Música, Porto, maio de 2010
Falando
do meu pai
Resende,
01/08/2025
Existem,
existiram pais de todos os tipos e não cabe a mim julgá-los pela vida que levaram, nem pelo que foram como pais. Posso falar do pai que eu tive, do que
vi, vivi, senti, daquilo que dele aprendi e recebi. Sei que é bem diferente
amor de mãe e amor de pai, ainda mais quando se é latino, aquele cuja emoção
ganha dimensão diante um olhar ou aperto de mão.
Meu
pai foi chão, foi mar, foi ar! Trouxe um mundo de vivências dentro dele que eu cresci
descobrindo cada canto na medida em que a vida via nascer. Na base aérea de
Santos as primeiras memórias, os aviões no hangar, os passeios de "Jeep", a praia das tartarugas, o primeiro contato com o mar, o
cheiro de gasolina dos aviões, as nuvens e hélices em movimento que me conduziram
para outros destinos e que acabaram por alterar permanentemente as minhas referências, minha capacidade de imaginar, a forma de pensar e sentir o viver.
Minha infância ao lado de papai e do meu irmão, ficaram associadas a diversão, a passeios, as muitas idas na praia de Copacabana, ao futebol na areia e na sede de remo do
Flamengo, nas regulares idas ao Maracanã e pelo convívio com a família, também habitual.
Papai
gostava de música. Escutávamos em casa principalmente os discos de vinil do Luiz
Gonzaga, Ataulfo Alves, Miltinho, Elza Soares, das orquestras Tabajara, do
Benny Goodman, das trilhas sonoras clássicas do cinema americano, das canções românticas francesas
e italianas que costumava tocar para os nossos avós nos almoços de final de
semana, Henry nascido na França e Duilio que era italiano. Mas, foram nos
desfiles das escolas de samba na avenida Rio Branco e nos bailes de carnaval
dos clubes do Flamengo e da Aeronáutica, que papai nos apresentou para as
tradicionais baterias das escolas de samba, as orquestras dos bailes, seus
músicos e respectivos instrumentos, e ao rico repertório das inesquecíveis marchas
carnavalescas.
Papai
estava em nós, entrava dentro de nós num desbravar nem sempre fácil de lidar,
pois tudo nele era intenso, com muitas reflexões, questionamentos, ensinamentos,
alegria constante, muito afeto e sedução. Sua curiosidade em aprender, a
vocação para ensinar e seu entusiasmo pela vida eram contagiantes, e assim
seguiu ao longo dos tempos atuando em várias áreas. Durante o meu período mais
rebelde da adolescência, ele demonstrou muita compreensão com as minhas inquietações, vontade de fazer o mundo e rebeldia, aproveitando cada momento em família para nos manter próximos.
Quando
estava presente era inteiro e apoiava minhas experiências acadêmicas e esportivas. Ao optar
por seguir a profissão que ele havia sido pioneiro na Força Aérea Brasileira, compartilhou seu
conhecimento de aviador comigo e me ajudou a amadurecer, convívio esse que me trouxe muito
aprendizado teórico e prático. Sim, papai desde quando éramos bebês, nos colocou nas cabines dos PT19, NA-T6, Regente Elo, Jatinho Paris e DC3, o icónico C-47 e foi isso que fez meu irmão e eu gostarmos de brincar de pilotos quando crianças.
Papai
foi muitos em uma única pessoa e alguns desses personagens ficaram dentro de
mim e ainda hoje me sacodem o corpo e me levam a voar ao seu lado para distantes
destinos, escutar animadas canções, assistir os emocionantes jogos do Flamengo,
estar próximo dessa gente querida que me viu crescer e tanto me amou e amei, emoções
que ainda hoje me levam a cantar ao seu lado, "Tem boi na linha, tem, tem, tem. Tem boi na linha Catarina vai no trem"; "Eu vou pra Maracangalha eu vou. Eu vou de chapéu de palha eu vou. Se a Anália não quiser ir eu vou só..."; "O Rei Zulu, o Rei Zulu, não paga casa nem comida e anda nu..."; "Procurei, procurei, de lanterna na mão, procurei procurei e achei, a dona do meu coração. E agora, e agora, eu vou jogar a minha lanterna fora"; "Quando oiei a terra adentro, qual fogueira de São João"... e tantas outras canções que ainda fazem eco dentro de mim e do meu irmão.
Gostávamos de ver papai analisar o comportamento das pessoas de forma positiva e cômica, com aquele seu peculiar olhar crítico, tecer comentários sobre os personagens da politica nacional e do cotidiano, mas vê-lo
contar piadas e casos da aviação era um momento de grande entretenimento para nós. Com o passar dos anos, mamãe começou a pegar no pé dele por conta das piadas que ela escutava há décadas, compreensível, piadas que hoje eu daria tudo que tenho para ouvi-lo contá-las novamente.
Ainda hoje, volta e meia escuto sua voz a
cantarolar uma canção do rei do baião, de Bing Crosby, Nat King Cole ou Ataulfo
Alves, hábito que tinha enquanto tomava seu banho ou fazia a barba. Em outras ocasiões vejo ele
diante de mim em tom de espanto a me dizer: “Celsinho, meu filho, você não
imagina como essa cidade está. Perdeu-se o respeito entre as pessoas por todos os lados que se vá!” Papai
foi homem de buscar soluções, de resolver problemas, de ajudar sem nada em
troca pedir, de abraçar negros, índios e nordestinos, e pelo que foi e realizou, vejo ele por todos os lados com seu
dinamismo e vontade de contribuir, de socorrer as pessoas, as desconhecidas e
aquelas muito próximas. Sobre seus defeitos, quem não os têm?
Aos 87 anos... Falar o quê?